quinta-feira, 1 de março de 2007

[conto] Pela Eternidade


Pela Eternidade

Se você reparar bem enquanto caminha pelas noites em Florença, notará que existe seres que muitos desconhecem, seres diferentes de tudo que podemos esperar. Não apenas lá, mas em todo este vasto mundo. Criaturas superficialmente parecidas com os humanos, que até mesmo que um dia o foram... Mas que hoje algo os difere.
O que seria mais importante para estes seres? Poder? Riqueza? Influências mundanas? O que haveria necessidade em um corpo em estado de aparente vida?
Havia muito tempo em que eu procurava essas respostas. O que falta em mim? O que faltará para mim? Durante noites, fiquei sentado nos degraus da catedral di Santa Maria del Fiore observando sua cúpula e a torre do sino... Aquele lugar me trazia serenidade, e quem sabe lá poderia então descobrir mais sobre mim.
Creio que caminhei sobre essa terra tempo suficiente para saber julgar o certo do errado, entre bem e o mal. Na verdade, cansei desta vida de peregrinação. No meu corpo corre uma história de muito tempo, uma historia que estou disposto a por um fim.
Nas primeiras horas noturnas estava decidido. Chovia. Somente eu sabia o quanto àquelas gotas ansiosas a lavarem o chão inflamavam minha alma excomungada, do desejo de chorar... Lamentar... Sobretudo, a sensação que eu tinha era que esses desejos pareciam cada vez mais distantes... Como se nunca os tivesse sentido outrora.
Caminhei por entre as alamedas ainda cheias das pessoas que ali trabalham. Preocupadas apenas com suas degradantes vidas, uns voltavam para casa, outros fechavam suas grandes lojas. Ouvia também o soar do sino chamando para a missa das 19h. Fiquei a pensar em como a vida é inconstante. Os objetivos e sonhos de uma vida poderiam ser simplesmente rompidos pelo toque da morte. As promessas de amor eterno, quebrados pelo lívido brio cadavérico. O que tive de humanidade, hoje se perde em mim pouco a pouco. Entretanto, as lembranças... Estas ficaram marcadas na alma.
Durante muitas noites, desde o meu renascimento, deliciei-me impelido pela constante fome. O pecado da gula, como é chamado pelos humanos. Alegrava-me sentir o sangue quente e fresco correr nas minhas veias, a vida que esvaia de um corpo, sustentava minha eternidade. Aquecia-me, enquanto minha vitima se deleitava no êxtase da morte. Contudo, o desejo aos poucos diminuiu, não necessitava de tanto quanto consumia.
Apeguei-me então a riqueza e outras novas diversões, como uma criança que ganha um brinquedo novo, podia ter o que desejasse, jóias, obras de arte e ate mesmo pessoas. Nessa época eu aprendi sobre o mundo e a sua sabedoria.
Havia tempo para todas as coisas sobre a luz da lua e das estrelas. Mas nada completava o vazio que persistia em mim. Por anos procurei preenchê-lo, durante a procura a loucura me envolveu, sim... Tive tempo para isso, varias e varias vezes. Emudecia a constatar a minha própria desgraça.
Há quantos anos isso já durava? Suspendi minha mão esquerda observando que mesmo após tantos anos de condenação, ainda guardava o selo dourado de uma santa união.
_ Elisabeth... – sussurrei.
Uma adorável mulher, a primeira e única pessoa por quem meu coração se apaixonou. Nem dei por mim, quando saí da catedral e sem perceber deparei-me em frente a nossa antiga casa. Será que você ainda poderia morar ali? Creio que não. Mas estar naquele lugar me fazia lembrar dos seus cabelos ruivos, seus olhos verde-mar. Que eu adorava contemplar, e ate mesmo seu perfume, doce... Que me entorpecia. Agora eu entendo o porque de ter tanto medo de te perder. Eu senti e ainda sinto algo que não tem precedentes na minha história. Eu sentia que por você poderia vencer guerras, apenas para lhe resgatar. Por que, perto da sua... Minha vida não valia nada. Será isso o que chamam de amar verdadeiramente?
Mas eu tinha medo de ficar sozinho... Medo que você me deixasse, que nossas núpcias tivessem um fim. E eu a desejava para a eternidade. Por isso procurei a maldição, o que causou o que mais tinha temor. Você não desejou partilhar uma eternidade comigo e seguiu com sua vida mortal. O que você decidiu estava decidido, não poderia mudar... Meu destino era prosseguir em frente... E foi então que nos perdemos.
Entrei pelo quintal. Caminhei por entre o jardim e contemplei as rosas murchas. Certamente não tinham mais suas delicadas mãos a lhes cuidarem. Virei-me, decidido a entrar em nossa antiga morada. Mas vi um vulto vindo em minha direção. Emudeci ao contemplar seu semblante a me observar na penumbra. Sobre a luz da lua cheia você estava tão diferente.
_Edward? – Ela me observava com olhos amargurados.
O que eu poderia dizer a ela? Aproximei-me, acariciei-lhe o rosto, minhas gélidas mãos tocavam aquele corpo que um dia fora cheio de vida...
_Porque... Aparece novamente aqui depois de 30 anos Edward? – Ela derramava lagrimas ao dizer essas palavras. E eu em minha insânia, apenas fitava aquela pele flácida. Não queria permitir que ela continuasse a viver daquela maneira Em um impulso, lembrando de um passado cheio de beleza e alegria, vendo aquela mulher agora tão frágil, concebi mais um pecado.
Apertei-a contra o peito, beijei-lhe os lábios opacos, deitando-lhe na grama seca, no aperto daquele abraço, um último beijo de amor. Naquela noite, morria meu último suspiro humano. Nos lábios dela a alegria de uma partida abençoada.
Para mim, o tempo começou a correr novamente. Para ela esse tempo parou na eternidade.
_Viva comigo eternamente, meu amor.


-by Lucy.

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