terça-feira, 20 de março de 2007

[conto] O limite entre Soprano e à Oitava de um Piano


O limite entre Soprano e à Oitava de um Piano


Era tênue voz que ecoava pelo teatro, acompanhada pela beleza e maestria de um pianista que a cada nota tocada, eclodia a paixão nos corações de sua platéia. O dueto era famoso e a sincronia não acontecia apenas no lado profissional, entre eles havia uma amizade perpetuada por anos.
Quando a cortina caiu para um ‘break’, o pianista acariciou as teclas com uma delicadeza única, quem o visse imaginaria que aquela era sua desejada mulher, tamanho cuidado expressava àquele piano. Tinham tempo até a próxima apresentação, foi servido bom vinho à vocalista, seria bom pra amaciar sua voz, ela sorvia aproveitando o paladar agradável que lhe proporcionava, não que se considerasse uma ‘sommelier’, mas conhecia de bons vinhos. Recostou seu corpo na cauda do piano, tentando relaxar.
O pianista retirou um sofisticado isqueiro de ouro do smoking e tamborilava com ele entre os dedos, antes de colocar na boca o cigarro e após algumas tentativas acendê-lo. Tragou profundamente e jogou a cabeça para trás, soltando a fumaça para cima. A nicotina o acalmava.
A jovem o observava a certa distância, sabia que ele era um boêmio e isso de certa forma a atraia, há muitos anos que seu coração batia por ele, em época passada existiu um romance, no entanto não durou, o coração volúvel que ele possuía não permitia um intenso amor por mais de quinze dias. Contudo ela o amava, sim... Amava. Porém bastava-lhe a alegria de compartilhar a música que ambos apreciavam. Conheceram-se na faculdade, quando os dois muito jovens, sonhavam com um futuro promissor, não que reclamasse de seu presente, faziam shows e espetáculos formais em vários lugares e eram reconhecidos, mas pra ela faltava algo mais, dentro dela existia um vazio há muito tempo.
O músico levantou-se, fumava com elegância, seus escuros olhos penetravam os dela, ia aproximando-se como um animal faminto. Deslumbrada, a jovem não compreendia aquele olhar enigmático.
_Devia parar de fumar, sabe que sua saúde já está comprometida. – Tentou começar uma conversa a fim de desviar o clima daquele momento.
_Pararei, quando você deixar de beber mon amour.. – completou sorrindo. Ele sabia do anseio dela pela boa bebida, por causa da música ela se viciou em vinhos, e sozinha sabia que ela mergulhava em um mundo de álcool que a satisfazia. Por isso mesmo, era como dizer que nunca deixaria o fumo, mesmo que este acabasse com sua fama, sua vaidade ou sua vida.
_Vícios...Cada um com seu... E sem sermões, por favor, my lady...-Retrucou ele por fim. Ela deixou o cálice sobre o piano e sorriu sentindo-se vencida.
Aqueles olhos misteriosos a devoravam a cada passo que se aproximavam. O que queria afinal?
O pianista a envolveu em um abraço, fazendo o corpo da garota vibrar com o calor que emanava dele. Suas mãos ávidas adornavam sua cintura, a bebida começou a subir-lhe a cabeça e o cheiro desagradável do cigarro que saia de sua boca a entorpecia, será que ele queria retomar o que um dia deixaram para trás? Ele ainda a amava e almejava outra vez pertencer a ela?
As mãos trêmulas acariciaram rosto daquele ser bem amado. No entanto, o sorriso dele era obvio demais para pensar em uma retomada de amor adolescente. Luxúria era isso que ele aspirava. Quem sabe soubesse que nos braços dela sucessivamente encontraria um espaço reservado. Mesmo que ela tivesse outras pessoas, seu coração lhe pertencia, isso lhe dava o direito de voltar à hora que quisesse. Os olhos tornaram-se vítreos, suas mãos vivas acariciavam seu corpo e podia sentir sua lascívia avolumar-se.
Claro que o desejava, todavia ela não queria apenas seu corpo, aspirava por seu coração, por aquela alma apaixonada que ele tinha quando tocava, quando o transe da música lhe invadia. O longo vestido que a vocalista usava era ligeiramente tirado, o pente de pérolas que segurava seus cabelos louros em um penteado bem feito fora retirado com pressa, ele segurava sua nuca enquanto beijava seu pescoço com voracidade. Com uma das mãos levantou-a do chão, colocando-a sobre o piano, apertavam-lhe as pernas e procurava faminto por prazer. A boca úmida descia pelo colo nu da jovem, que assustada apenas respirava ofegante. Uma aversão tomava conta de seu coração. Ela procurava os olhos dele, que insistiam em fugir da direção dos seus. A força dele estava machucando não só seu corpo, mas feria sua dignidade. Era apenas desejo? A queria apenas por tudo que passaram, por tudo que foram um dia. Ele certamente estava insatisfeito com alguma virgem recatada e vinha aos seus braços encontrar alívio. Mas e seus sentimentos? Ele não se lembrava que ela também era mulher... E como uma virgem seus sentimentos eram sinceros e castos.
Os ardentes beijos subiam pelo seu rosto, chegando ao lábio vermelho, manchava o baton pela pele alva. Ela estática não correspondia àquela farsa. Com a rejeição, finalmente ele despertou.
_Céus... O que estou fazendo... – O rapaz afastou-se contemplando a cena com a mulher semi-nua a sua frente, jogou para ela o paletó para cobrir a visão do corpo da moça. Sem jeito, ela segurou o paletó, sem saber o que falar ou o que pensar. Colocou novamente o vestido, soltou os cabelos, fazendo o melhor que podia em um novo penteado improvisado. Com um lenço retirava as manchas de baton da pele, retocou a maquiagem e pintou ali um semblante sereno.
Ele regressou ao piano e acariciava as teclas cor de marfim, enquanto ouvia os passos das pessoas voltando aos seus lugares no teatro. Não se atreveu a olhá-la novamente.
Quando as cortinas se abriram, ela estava impecável, com um lindo sorriso no rosto e com uma gota de uma lágrima que insistia em não desaparecer, estava fixa em um dos seus olhos, entretanto lágrimas não iriam cair, segura-las-ia por sua honra, por seu orgulho ferido. O show tinha que continuar, como se nada houvesse acontecido.

Lucy – 18-03-2007.

2 comentários:

Fernando Nightcrawler disse...

hm
eu ja tinha lido esse
x.x

Zoltan disse...

Acredito já ter lido e disposto meu comentário sobre este texto na época.

=*** Lu